Nos céus sertanejos sobrevoa o carcará
- Atualizado: 10 de março de 2016
Já dizia o poeta João do Vale: “Carcará, lá no sertão, é um bicho que avoa que nem avião, é um pássaro malvado”.
O pássaro malvado que tem feito várias vítimas em solos pernambucanos e
vem se consolidando como quarta força estadual recebe o nome de Salgueiro Atlético Clube. Impiedoso e destemido, o carcará é a sensação da velha república, onde deixou de ser zebra e se acostumou a brigar “pau a pau” com Náutico, Sport e Santa Cruz.
O tricolor do sertão tem feito o
improvável e se tornou referência! Acostumado a roubar os holofotes e
vagas em competições regionais de um dos grandes da capital, o Salgueiro
A. C. é assunto certo nas mesas redondas sobre o Campeonato
Pernambucano, no qual, sem surpresas, é um dos líderes. Se o Leicester
anda fazendo estrago na terra da rainha, os comandados de Claudio
Ranieri certamente se inspiraram nesse pequeno gigante do interior que
já faz isso há tempos! Entenda:
A HISTÓRIA:
Sediado a 468 km do Recife, o Salgueiro
Atlético Clube é fruto de um investimento recente por parte do
presidente Clebel de Souza Cordeiro, cidadão muito apaixonado pelo
esporte, que resolveu aplicar seu patrimônio pessoal no talento local. O
time, até então amador, se tornou profissional em 2005, quando
conseguiu o segundo lugar na Série A2 e subiu para a primeira divisão do
futebol estadual.
Depois de alguns anos de altos e baixos,
em 2008 o clube finalmente se estabilizou, terminando o Pernambucano na
surpreendente quarta colocação, atrás somente do trio da capital. Na
ocasião, o Salgueiro ainda garantiu acesso ao Campeonato Brasileiro da
Série C de 2009 para, na temporada seguinte, em belíssima campanha, ir
até Belém do Pará arrancar um 3 a 2 do Paysandu e subir mais uma vez,
chegando agora à Série B do Brasileirão de 2011.
Infelizmente, por falta de estrutura, o
clube amargou a penúltima colocação e não conseguiu se manter na segunda
divisão nacional. Em 2012, um novo sopro de vida: terceiro colocado no
estadual e vagas para a Copa do Nordeste e Copa do Brasil garantidas. Na
temporada seguinte, conseguiu O INCRÍVEL feito de chegar até as OITAVAS DE FINAL DA COPA DO BRASIL,
quando perdeu para o Internacional, de Porto Alegre. Já em 2015, chegou
à final do estadual ao eliminar o poderoso Sport nas semifinais.
À BEIRA DA FALÊNCIA:
Apesar das campanhas incríveis, nem tudo são flores!
Como todo clube pequeno, o Salgueiro sempre teve grandes limitações
financeiras. Conforme exposto acima, o presidente do clube era quem
custeava a maior parte das despesas com seu patrimônio pessoal, tendo
somente uma pequena ajuda de empresários locais e do governo estadual
através de um programa de incentivo. Para piorar a situação,
após o término do campeonato pernambucano de 2015, o programa, que já
vinha sofrendo reduções gradativas, foi cortado em definitivo, o que
comprometeu demais o orçamento e a folha salarial do clube.
Entre dificuldades e apertos, a fonte de
Clebel Cordeiro secou. O investimento estava colocando em risco todo o
seu negócio particular e ele foi obrigado a tomar a triste decisão de
cessar os investimentos no time, o que levaria o clube à falência. A
notícia chocou e comoveu toda região. Com o Salgueiro, além de outros
times do estado, ameaçando abandonar todas as competições e fechar as
portas, o governo retomou o programa de incentivo ao esporte,
viabilizando a continuidade do projeto.
RESSURGIMENTO EM GRANDE ESTILO
Depois de várias penúrias, ameaça de
falência e um esforço enorme do presidente para manter o clube no mais
alto nível, o Salgueiro deixou de ser aquela surpresa incômoda e passou a
exercer grande protagonismo no cenário pernambucano.
Agora, em 2016, o tricolor dá a entender que veio novamente para
incomodar. Atual líder do Estadual, o “gavião dos sertões” sonha alto!
O carcará é um predador letal a suas vítimas no estádio Cornélio de Barros. Aliás, essa relação do clube com a morte é bem íntima, tendo em vista que seu tradicional patrocinador é uma empresa funerária da região. “Tem tudo a ver com o time, porque o carcará realmente patrocina as mortes dos gigantes aqui no sertão”, diz o torcedor apaixonado, Ricardo Feitosa.
O time é mais aguerrido que técnico – e
não poderia ser diferente. Dentro de campo, os jogadores realmente
honram a alcunha. O Salgueiro é peçonhento! Com a bola nos pés, é um
time criativo e de qualidade técnica admirável. Mas, sem ela, é
organizado e combativo, e, do centroavante ao cabeça de área, todos
lutam pelo coletivo!
Os contragolpes rápidos são uma das
características mais marcantes da equipe, sobretudo em jogos fora de
casa. O senso de disciplina tática é uma das virtudes do experiente
treinador Sérgio China. “O time busca sempre recuperar a bola rapidamente, quando perde, independentemente do lugar, todos cercam e dão botes”, segundo o empolgado simpatizante Allyson Matias.
Na saída de bola, busca-se fazer uma
transição com qualidade e inteligência, preferencialmente com a pelota
no chão, evitando ceder a posse para o adversário sem ao menos
ameaçá-lo. A ideologia do carcará é criar chances, pois é isso que
diverte o público. O jogador sente um fervor natural da torcida quando ataca, e esse é um dos elementos mais poderosos do time.
Os destaques da equipe ficam a cargo do atacante Piauí,
que inclusive, fez dois gols na vitória diante do ABC-RN, em jogo
válido pela fase de grupos da Copa do Nordeste, resultado que
praticamente coloca o carcará na fase de mata-mata. Confira os melhores
momentos do jogo em Natal, no dia 10/03/2016 :
Além de Piauí, quem também merece destaque é Moreilândia,
o volante é muito identificado com o clube e se tornou presença certa
na maioria dos jogos. A experiência e liderança ficam a cargo de Marcos Tamandaré,
(pra variar também é nome de estado ou município). O lateral direito de
34 anos é altamente consagrado em solos nordestinos, onde já defendeu
as cores de Porto, Sport e Santa Cruz, em Pernambuco, além de ABC-RN,
ASA-AL, Fortaleza-CE e também tem passagens remotas pelo Corinthians-SP e
Rapid Bucaresti da Romênia.
A estrutura atual impressiona, visto que um dos segredos do clube é investir e acreditar no potencial dos jovens da região. O jovem Gustavo Alves,
da cidade de Floresta-PE, é um exemplo disso. Aos 20 anos, “Guguinha”,
como é conhecido, é uma das joias do clube. Segundo ele: “A base do
Salgueiro vem sendo muito bem aproveitada no time principal. Os
jogadores mais experientes nos ajudam muito, são pacientes e demonstram
se importar com nosso crescimento. Isso torna o grupo mais forte e
unido. O que explica o fato de chegarmos com força em todas as
competições que disputamos.”
AS METAS?
Não são nada modestas! A equipe
conquistou respeito regional e pensa sempre em ir mais além. Para a
atual temporada, os jogadores estão treinando com mais intensidade e com
amparo de uma equipe médica fantástica, incluindo psicólogos e
fisiologistas. O objetivo é vencer o campeonato estadual e subir para
novamente para a segunda divisão nacional.
O clube, inclusive, está construindo um
Centro de Treinamento para melhorar a estrutura e as condições de
trabalho. Existe ambição, organização e muito comprometimento por todos
que formam o Salgueiro Atlético Clube, desde a joia da base ao
presidente, são todos aguerridos e valentes como todo bom sertanejo.
Parafraseando mais uma vez o mestre João do Vale:
“Carcará
Pega, mata e come
Carcará é malvado, é valentão
É a águia de lá do meu sertão”
Pega, mata e come
Carcará é malvado, é valentão
É a águia de lá do meu sertão”
Nessa toada, o tricolor espera selar de
vez seu nome entre os grandes de Pernambuco e galgar passos ainda mais
notáveis no cenário nacional. Enquanto houver paixão e comprometimento, o
bom futebol há de sobreviver, ainda que nos locais mais remotos como os
sórdidos campos sertanejos. O Salgueiro é a prova de que o amor pelo
futebol é capaz de superar todas as dificuldades e limitações que a
realidade social nos impõe.
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