sexta-feira, 11 de março de 2016

Nos céus sertanejos sobrevoa o carcará

Nos céus sertanejos sobrevoa o carcará

Já dizia o poeta João do Vale: “Carcará, lá no sertão, é um bicho que avoa que nem avião, é um pássaro malvado”. O pássaro malvado que tem feito várias vítimas em solos pernambucanos e vem se consolidando como quarta força estadual recebe o nome de Salgueiro Atlético Clube. Impiedoso e destemido, o carcará é a sensação da velha república, onde deixou de ser zebra e se acostumou a brigar “pau a pau” com Náutico, Sport e Santa Cruz.
O tricolor do sertão tem feito o improvável e se tornou referência! Acostumado a roubar os holofotes e vagas em competições regionais de um dos grandes da capital, o Salgueiro A. C. é assunto certo nas mesas redondas sobre o Campeonato Pernambucano, no qual, sem surpresas, é um dos líderes. Se o Leicester anda fazendo estrago na terra da rainha, os comandados de Claudio Ranieri certamente se inspiraram nesse pequeno gigante do interior que já faz isso há tempos! Entenda:
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Foto: Salgueiro AC
A HISTÓRIA:
Sediado a 468 km do Recife, o Salgueiro Atlético Clube é fruto de um investimento recente por parte do presidente Clebel de Souza Cordeiro, cidadão muito apaixonado pelo esporte, que resolveu aplicar seu patrimônio pessoal no talento local. O time, até então amador, se tornou profissional em 2005, quando conseguiu o segundo lugar na Série A2 e subiu para a primeira divisão do futebol estadual.
Depois de alguns anos de altos e baixos, em 2008 o clube finalmente se estabilizou, terminando o Pernambucano na surpreendente quarta colocação, atrás somente do trio da capital. Na ocasião, o Salgueiro ainda garantiu acesso ao Campeonato Brasileiro da Série C de 2009 para, na temporada seguinte, em belíssima campanha, ir até Belém do Pará arrancar um 3 a 2 do Paysandu e subir mais uma vez, chegando agora à Série B do Brasileirão de 2011.
Infelizmente, por falta de estrutura, o clube amargou a penúltima colocação e não conseguiu se manter na segunda divisão nacional. Em 2012, um novo sopro de vida: terceiro colocado no estadual e vagas para a Copa do Nordeste e Copa do Brasil garantidas. Na temporada seguinte, conseguiu O INCRÍVEL feito de chegar até as OITAVAS DE FINAL DA COPA DO BRASIL, quando perdeu para o Internacional, de Porto Alegre. Já em 2015, chegou à final do estadual ao eliminar o poderoso Sport nas semifinais.
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Foto: Site oficial do Salgueiro AC
À BEIRA DA FALÊNCIA:
Apesar das campanhas incríveis, nem tudo são flores! Como todo clube pequeno, o Salgueiro sempre teve grandes limitações financeiras. Conforme exposto acima, o presidente do clube era quem custeava a maior parte das despesas com seu patrimônio pessoal, tendo somente uma pequena ajuda de empresários locais e do governo estadual através de um programa de incentivo. Para piorar a situação, após o término do campeonato pernambucano de 2015, o programa, que já vinha sofrendo reduções gradativas, foi cortado em definitivo, o que comprometeu demais o orçamento e a folha salarial do clube.
Entre dificuldades e apertos, a fonte de Clebel Cordeiro secou. O investimento estava colocando em risco todo o seu negócio particular e ele foi obrigado a tomar a triste decisão de cessar os investimentos no time, o que levaria o clube à falência. A notícia chocou e comoveu toda região. Com o Salgueiro, além de outros times do estado, ameaçando abandonar todas as competições e fechar as portas, o governo retomou o programa de incentivo ao esporte, viabilizando a continuidade do projeto.
RESSURGIMENTO EM GRANDE ESTILO
Depois de várias penúrias, ameaça de falência e um esforço enorme do presidente para manter o clube no mais alto nível, o Salgueiro deixou de ser aquela surpresa incômoda e passou a exercer grande protagonismo no cenário pernambucano. Agora, em 2016, o tricolor dá a entender que veio novamente para incomodar. Atual líder do Estadual, o “gavião dos sertões” sonha alto!
O carcará é um predador letal a suas vítimas no estádio Cornélio de Barros. Aliás, essa relação do clube com a morte é bem íntima, tendo em vista que seu tradicional patrocinador é uma empresa funerária da região. “Tem tudo a ver com o time, porque o carcará realmente patrocina as mortes dos gigantes aqui no sertão”, diz o torcedor apaixonado, Ricardo Feitosa.
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Foto: Salgueiro AC
O time é mais aguerrido que técnico – e não poderia ser diferente. Dentro de campo, os jogadores realmente honram a alcunha. O Salgueiro é peçonhento! Com a bola nos pés, é um time criativo e de qualidade técnica admirável. Mas, sem ela, é organizado e combativo, e, do centroavante ao cabeça de área, todos lutam pelo coletivo!
Os contragolpes rápidos são uma das características mais marcantes da equipe, sobretudo em jogos fora de casa. O senso de disciplina tática é uma das virtudes do experiente treinador Sérgio China. “O time busca sempre recuperar a bola rapidamente, quando perde, independentemente do lugar, todos cercam e dão botes”, segundo o empolgado simpatizante Allyson Matias.
Na saída de bola, busca-se fazer uma transição com qualidade e inteligência, preferencialmente com a pelota no chão, evitando ceder a posse para o adversário sem ao menos ameaçá-lo. A ideologia do carcará é criar chances, pois é isso que diverte o público. O jogador sente um fervor natural da torcida quando ataca, e esse é um dos elementos mais poderosos do time.
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Foto: Salgueiro AC – Estádio Cornélio de Barros
Os destaques da equipe ficam a cargo do atacante Piauí, que inclusive, fez dois gols na vitória diante do ABC-RN, em jogo válido pela fase de grupos da Copa do Nordeste, resultado que praticamente coloca o carcará na fase de mata-mata. Confira os melhores momentos do jogo em Natal, no dia 10/03/2016 :
Além de Piauí, quem também merece destaque é Moreilândia, o volante é muito identificado com o clube e se tornou presença certa na maioria dos jogos. A experiência e liderança ficam a cargo de Marcos Tamandaré, (pra variar também é nome de estado ou município). O lateral direito de 34 anos é altamente consagrado em solos nordestinos, onde já defendeu as cores de Porto, Sport e Santa Cruz, em Pernambuco, além de ABC-RN, ASA-AL, Fortaleza-CE e também tem passagens remotas pelo Corinthians-SP e Rapid Bucaresti da Romênia.
A estrutura atual impressiona, visto que um dos segredos do clube é investir e acreditar no potencial dos jovens da região. O jovem Gustavo Alves, da cidade de Floresta-PE, é um exemplo disso. Aos 20 anos, “Guguinha”, como é conhecido, é uma das joias do clube. Segundo ele: “A base do Salgueiro vem sendo muito bem aproveitada no time principal. Os jogadores mais experientes nos ajudam muito, são pacientes e demonstram se importar com nosso crescimento. Isso torna o grupo mais forte e unido. O que explica o fato de chegarmos com força em todas as competições que disputamos.”
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Foto: Gustavo Alves (atleta profissional cria das categorias de base)
AS METAS?
Não são nada modestas! A equipe conquistou respeito regional e pensa sempre em ir mais além. Para a atual temporada, os jogadores estão treinando com mais intensidade e com amparo de uma equipe médica fantástica, incluindo psicólogos e fisiologistas. O objetivo é vencer o campeonato estadual e subir para novamente para a segunda divisão nacional.
O clube, inclusive, está construindo um Centro de Treinamento para melhorar a estrutura e as condições de trabalho. Existe ambição, organização e muito comprometimento por todos que formam o Salgueiro Atlético Clube, desde a joia da base ao presidente, são todos aguerridos e valentes como todo bom sertanejo.
Parafraseando mais uma vez o mestre João do Vale:
“Carcará
Pega, mata e come
Carcará é malvado, é valentão
É a águia de lá do meu sertão”
Nessa toada, o tricolor espera selar de vez seu nome entre os grandes de Pernambuco e galgar passos ainda mais notáveis no cenário nacional. Enquanto houver paixão e comprometimento, o bom futebol há de sobreviver, ainda que nos locais mais remotos como os sórdidos campos sertanejos. O Salgueiro é a prova de que o amor pelo futebol é capaz de superar todas as dificuldades e limitações que a realidade social nos impõe.
O conteúdo acima é de responsabilidade expressa de seu autor. O Doentes por Futebol respeita todas as opiniões discordantes e tem por missão promover o debate saudável entre ideias.

Filipy é pernambucano e tem 21 anos, vive e respira futebol, inclusive já furou encontro com a própria namorada para jogar descalço nos sórdidos gramados sertanejos. É no esporte bretão que o estudante de Direito encontra o seu maior refúgio nas tardes negras de domingo. (Colunista - Manchester United Brasil)

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