O placar final registrava 0 a 0, mas não impediu a festa nos vestiários. Alguns baldes de gelo logo foram esvaziados e viraram instrumentos musicais. Um dos jogadores não pensou duas vezes: subiu numa mesa, dançou e puxou o coro, acompanhado pelos compatriotas brasileiros que se revezavam na batucada. Era uma cena típica dos tempos em que esses sambistas improvisados comemoravam vitórias em seu país. Mas naquele dia 23 de novembro de 2011, as celebrações aconteciam bem mais longe, em São Petersburgo, na Rússia.
Independentemente do lugar, tudo ali se encaixava. Afinal, o ritmo brasileiro já vinha embalando o modesto Apoel a uma grande campanha na temporada. Depois do 0 a 0 com o Zenit, que fez da equipe o primeiro representante do Chipre a alcançar as oitavas de final da Liga dos Campeões, a festa só podia acabar assim. “A gente sempre tenta puxar para cima, mas nem sempre o pessoal acompanha. Muitos são mais fechados”, explica, ao FIFA.com, o meia Marcinho – o mesmo que subiu na mesa para dançar. “Naquele dia não teve jeito. Era um momento especial, a gente tinha feito história. Então todo mundo entrou na festa.”
As comemorações tiveram a aprovação até do normalmente rígido Ivan Jovanovic, treinador do Apoel. Mas o próprio Marcinho – um dos seis brasileiros que compõem o elenco da equipe – admite que ainda fica ressabiado com a reação do comandante a cada vez que tenta liderar uma batucada. “Ele (Jovanovic) é rigoroso, não gosta disso, prefere que a gente fique concentrado”, conta o jogador, ex-São Caetano e Santos e que também passou seis temporadas no Marítimo, de Portugal. “Mas, a cada vitória, tentamos descontrair. A gente vai dando nosso jeitinho.”
Esse jeito extrovertido talvez seja a única coisa que Jovanovic e o resto do elenco ainda não absorveram. Até a língua, que tinha tudo para ser uma barreira, já nem chega a incomodar. Afinal, quando os outros quatro portugueses da equipe estão reunidos nas preleções ou nas partidas, é o idioma materno deste grande grupo que acaba prevalecendo. E ai daquele que achar ruim.
Para se ter uma ideia da importância dos jogadores destes países, em todos os 12 jogos da equipe na Liga dos Campeões, ao menos três brasileiros e dois portugueses estiveram em campo. Houve ocasiões em que este número aumentou para oito. Isso sem falar na eficiência: o mineiro Aílton Almeida já acumula sete gols, enquanto o catarinense Gustavo Manduca marcou dois, ambos na fase de grupos.
Sem limites
Com esta alquimia perfeita entre as diversas nacionalidades, o pequenino time de Nicósia foi se tornando grande. Na competição europeia, superou três rodadas da fase eliminatória até chegar ao equilibrado Grupo G, que contava, teoricamente, com três concorrentes com maiores chances de classificação – Zenit, FC Porto e Shakthar Donetsk. “Lembro que os torcedores ficaram até tristes quando viram nosso grupo. Todo mundo achava que seríamos o saco de pancadas, então queriam que a gente caísse contra times maiores, para que eles pudessem ver as estrelas”, conta Marcinho.
“E, claro, a gente não tinha grandes ambições. No início, só esperávamos chegar à fase de grupos. Mas, quando vencemos o Zenit (na abertura da fase de grupos), percebemos que eles não eram aquele bicho papão que falavam. E fomos ganhando força.” Tanta força que o Apoel seguiu invicto, ajudou a eliminar o FC Porto e terminou, mesmo com a derrota para o Shakthar, na primeira colocação da chave, em uma trajetória digna de roteiro de filme, como o próprio Marcinho dá a dica.
“Tem um rapaz do clube que vem fazendo matérias com a gente, nos treinos, no ônibus antes dos jogos... Espero que quando acabar o torneio eles nos mandem um DVD completo”, diz, num misto de ironia e seriedade. “Queria ter tudo registrado, claro. Sempre sonhei em jogar uma Liga dos Campeões, ouvir aquele hino. É algo impressionante, o melhor momento da minha carreira. E do clube também.”
Com Juvino em jogo festivo com o Compare
O novo capítulo desta trajetória será nesta terça-feira, na França, quando o Apoel tiver pela frente o Lyon. Um adversário que, como Marcinho gosta de classificar, não chega a ser “aquele bicho papão”. “É um grande time, mas nada é impossível”, aponta. “E já nem sei mais o que é impossível, porque falaram que a gente nunca ia conseguir passar de fase. Precisamos de um bom resultado nesse jogo de ida para poder decidir com a nossa torcida. Somos muito fortes jogando em casa.”
Com toda esta força, confiança e, claro, uma pitada bem brasileira de otimismo, o Apoel vem escrevendo um dos capítulos mais gloriosos de sua história. E, cada vez mais, vale pensar em saltos maiores. "Claro que gostaríamos de ir mais longe, por que não chegar à final? É difícil, mas vamos sonhando”, empolga-se Marcinho, antes de recolocar rapidamente os pés no chão. “De qualquer forma, o importante é que já fizemos história."